quarta-feira

A vida e os amores de Gina - 2



A noite desceu sem que ela tivesse se dado conta. Olhou lá fora o céu; quase não se via estrelas nenhuma. Apenas um pouco da lua brilhante, como se quisesse fazer brilhar a alma de Gina. Levou as mãos aos olhos tentando tirar a nuvem deixada pelas lágrimas.
A madrugada passou sem que Gina pudesse conciliar o sono. Era um dia em que a tristeza havia tomado conta da sua alma. A solidão doía em seu peito. Uma saudade imensa, imprecisa, que chegava a lhe faltar o ar.
Estava ali diante de um mundo apenas seu, revivendo momentos inesquecíveis! Cada detalhe vivo em sua lembrança. Sonhos e frustrações de uma história comum, igual a muitas, mas, um pequeno diferencial; seu modo simples e romântico de ver a vida. A capacidade de renascer das cinzas, embora, cada volta tenha trazido uma conseqüência em sua maneira de pensar e agir.
Pensou que talvez seu destino pudesse ter sido diferente, se os pais não tivessem castrado tanto, suas emoções. Os tempos eram outros. Costumes e criação diferentes; exigência de comportamentos. Mas Gina, desde menina dava sinais de que viveria uma vida de intensidade e, aos 10 anos, teve sua primeira paixão. Coisa de criança.
Entre eles, que eram quase da mesma idade, o encanto brilhava nos olhos e a inocência fazia com os dois tivessem um romance totalmente fora do contexto. Apenas se limitavam a pequenos e furtivos encontros no cinema da cidade, sob os olhos vigilantes da generosa mãe dele. Tudo que havia, era apenas, a emoção de segurar nas mãos. E os olhares nos finais de tarde, quando ele sentado na janela do fundo da casa, tocando seu violão, cantava para ela, que morava do outro lado da rua.
As casas ficavam bem direcionadas uma, para outra, apenas separadas pelo rio que cortava a cidade. Tudo era sonho e encantamento.
Enfim, chegara a semana dos namorados e as amigas comentavam que a mãe dele, havia comprado um presente para ela e incentivaram-na a comprar um também. Infelizmente, aquela decisão, talvez, tenha sido o início de uma grande desilusão, que marcara sua vida para sempre!
Naquela cidade pequena do interior, onde moravam, todos se conheciam e tudo era comentado. E assim, chegou ao conhecimento dos pais de Gina, a compra do tal presente. A mãe, uma senhora muito exigente e rígida com a educação dos filhos, num ato impensado, levou-a até a casa namorado, onde deveria pegar o presente de volta. Pelo caminho, ela foi sendo conduzida pela orelha, sem que tivesse se dado conta das pessoas que assistiam àquela cena e o quanto a menina estava se sentindo constrangida. Lá chegando, foi obrigada a pedir o cinto de volta e com ele, voltou apanhando até sua casa, apesar dos apelos da generosa e simpática, D. Celina, mãe dele.
A vida transcorria naturalmente, mas para Gina muita coisa mudou e talvez nem tenha se dado conta. A partir daquele episódio, ela se tornou uma pessoa insegura. Sonhadora, mas, sem coragem de lutar pelos seus sonhos, achando que não tinha direito a eles. Envergonhada, passou a se esquivar de encontrar qualquer pessoa daquela família.
Aquele episódio foi um marco em sua vida. Um divisor de águas. A partir dali, mudou seu comportamento e passou a ser rebelde, fazendo coisas para chocar a família.

sábado

A vida e os amores de Gina


Era um dia cinzento. Gina estava angustiada, triste... e os pensamentos trouxeram lembranças em sua cabeça, como se fossem um filme a rodar. Aproximou-se da cômoda, junto a janela, pegou um caderno e abriu em algo, que havia escrito a noite, e leu:
Há do outro lado, em outra dimensão, um brilho dourado, cheio de luz. Há um caminho após esse tempo, cujo brilho é um terno chamamento, que hoje em dia, me seduz!
Há uma Mão Divina que me afaga e coloca estrelas em meu caminho, nas noites cheias de tristezas de um céu sem brilho, em que choro baixinho, que me conforta e me dá carinho!
Há um anjo de Deus dentro mim, que em minhas angustias, afaga minhas dores, e me faz sonhar com um mundo novo, que está bem perto de chegar, onde estão a me esperar, verdadeiros amores!
Há uma vida que aos poucos se apaga, uma esperança vencida, desbotada, de tanta decepção, num canto jogada. Há um ser perdido, atrás dessa Luz Divina, querendo por Deus ser amparada.
O sol frio do final da tarde trazia lembranças da adolescência. Na imensidão, ainda conseguia avistar, em meio aos prédios altos e nuvens, um surgir manhoso da lua, que preguiçosamente, quase se escondia dentre eles e, da janela do seu quarto, Gina observava pensativa.
As lágrimas marejavam os seus olhos... Reminiscências de um tempo lindo! Pensava nas brincadeiras no quintal da casa em que morava, nos amigos, no futebol jogado no campo de lama, nas paixões, no encantamento com o mundo novo, que se descortinava na plenitude da adolescência.
Quantas recordações, quantas peraltices e armações, compunham aquela história de vida! Era um tempo, em que se podia caminhar livremente, pelas ruas da cidade do interior, onde morava. Onde sentar na praça, com os colegas, na saída da escola, ou, nos momentos em que conseguiam escapar de matérias que não gostavam muito, era ter o mundo nas mãos.
Muitas histórias, naquele instante se confundiam em sua cabeça. Todas guardadas com muito amor, carinho e saudade.
Muitos sonhos vividos, muitos, apenas sonhados. Ah! Os amores... Alguns forçosamente, interrompidos; outros, que nem foram concretizados, mas todos de tamanha importância, que fazem parte das suas melhores lembranças, embalados com muito cuidado e zelo, latentes em sua alma, em seu coração.
O olhar distante e perdido de Gina, naqueles olhos, que um dia, fora apenas, uma perdida ilusão! Olhos que não conseguiram enxergar adiante. Talvez Por ser muito menina, ou, fosse mesmo insignificante, diante daquela grandeza e que tivera que se negar.
Estava ali perplexa, ante a sua realidade. Mas, contraditoriamente, indiferente a ela. Estava dentro de si mesma, onde encontrava força para continuar a luta de cada dia. Dentro de um baú, onde servia de refúgio e aconchego em determinadas horas.
Ainda ressoavam em seus ouvidos, os sorrisos, as brincadeiras de infância, aquele imenso quintal! O rio que separava, não só as duas margens, mas, sonhos, amores e ilusões!
Lembranças que permaneciam intactas! Os amigos que passeavam em sua memória, pareciam ter acordado de um sono profundo! Um mundo mágico, onde podia fechar os olhos e destemidamente, voltar.
De repente, um som assustador lhe fez voltar a realidade; eram carros passando numa rua, logo ali adiante, num buzinaço terrível, no afã desesperado, de continuarem seus percursos, sem que nada os pudesse atrapalhar.